sábado, 3 de novembro de 2007

Eu, Lucifer - Glen Duncan


Há livros que nos vêm para às mãos de uma forma surrealista e completamente por acaso. O livro que me proponho a opinar foi um dos tais onde uma dessas vicissitudes sucederam. Não interessa estar aqui a divagar sobre a forma como descobri o livro na biblioteca (foi tão por acaso que teria imensa dificuldade em contar), o certo é que o acabei por trazer, sabia não ser um livro de missas negras e afins, mas e talvez tenha sido isso que me seduziu: a forma como a história era descrita, pois se forem ler a sinopse, repararão que estão diante de um livro de humor negro, mordaz, irónico, talvez com episódios chocantes, enfim, um livro para descomprimir...
Posto isto e mesmo sabendo que tinha e tenho tantos livros em fila de espera, lá me lancei à leitura deste livro. Inicialmente de uma forma ávida, a meio de uma forma pausada (já ia pegando noutro que deixei a meio) e no fim de uma forma arrastada (foi um suplício acabar a leitura).
Pois bem: Senhores e senhoras, meninos e meninas ou como dizia o outro; portugueses e portuguesas, quero-vos apresentar o Demónio ou Satanás ou Lúcifer em pessoa (atenção, Belzebú não, porque trata-se da segunda figura mais importante da ordem infernal), aliás, ele quer-se apresentar, pois é ele próprio que nos conta a sua história: Uau! Que uindo! Vem a mim Satanás, pensarão alguns, enquanto os pudicos e os beatos dirão: cruzes, credo, canhoto, vai-te Demo! Bah, nunca percebi essa do canhoto, as cruzes e os credos até que passam, mas que raio têm os canhotos a ver com isto?
Então é assim: Olá malta – diz o Lúcifer - eu sou aquele que foi expulso do céu pelo Velhadas que vocês conhecem por Deus. E vai daí, sou um filho-da-mãe da pior espécie. Nem imaginam o que já fiz desde que o mundo é mundo, imaginem que certa vez até levei o Jesusito quase à loucura. É verdade, o gajo dava-me cá uns nervos, mas o tipo era duro... e Madalena que o diga... E a Eva? Xiii, que mulheraço, nossa mãe do inferno!
Lúcifer reina na terra. Comanda um bando de anjos demoníacos que, outrora como ele, pertenceram ao reino dos céus, no entanto, numa bela época há muito distante, Deus ausentou-se para criar o mundo e vai daí deixou todos os anjos sozinhos (gandas malucos). Sem nada para fazerem depressa o tédio começou a instalar-se e Lúcifer, encabeçando um grupo que se revoltou contra este estado de coisas, acabou por fazer algumas coisitas que chegaram aos ouvidos de Deus e é assim que Lúcifer é expulso daqueles reinos. Sem espinhas, pois Deus não é cá para brincadeiras, Ele gosta é de tudo sisudo e de aspecto muito sério. MAIS NADA! E TOCA A AJOELHAR!
Boa, agora ate já havia animais na terra e imagine-se, Deus havia criado um grande jardim onde habitavam dois seres humanos, Adão e Eva... oh Eva, aquela desenvergonhada...
Já podem ver que género de livro é.
Mas e nos dias de hoje, Lúcifer recebe a visita de um anjo muito importante (não me recordo se é Rafael ou Miguel) que afirmam serem portadores de uma importante mensagem de Deus: Deus está pronto a dar uma nova oportunidade de redenção a Lúcifer, com a condição de ele ocupar o corpo de um ser humano durante um mês e, nesse mês, viver e sentir como essa pessoa, como qualquer pessoa, ou seja, deixar aquele estado angélico, omnipresente, e viver e sentir como um comum mortal. Se ele for capaz de se comportar conforme o estipulado, então Deus recebe-o de braços abertos e manda às malvas todas as maldades de Satanás.
Lúcifer rejubila: "O velhadas passou-se!", e vendo aquela hipótese como um género de férias à pala, ele acaba por aceitar e incorpora um corpo de um jovem escritor falhado que está prestes a cometer suicídio e, agindo como essa pessoa, acaba por escrever um livro que é nada mais nada menos que a própria história de Satanás. Aliás nem é bem assim, porque o que ele vai descrevendo é um género da história da criação ao estilo hollywoodesco, para posteriormente tentar adaptá-lo a um guião.
Neste livro, escrito realmente num tom irónico e mordaz, o escritor elabora uma nova narrativa de muitos acontecimentos bíblicos e históricos: Adão e Eva e o paraíso; A forma como Deus criou o mundo; O porquê da sua revolta; A tentação de Jesus no deserto (Jesusito segundo ele); O regime nazi; A inquisição; Seitas.
Mas eu não gostei.
É um livro que divaga imenso entre a ideia do bem e do mal. Lúcifer, mostra-se um "ser" mordaz e irónico. Demonstra que a sua natureza não é maléfica e que a fama que tem apenas se deve a mal entendidos, ou, vá lá, a alguns mal entendidos, pronto, a poucos mal entendidos e a acusações injustas. Explica o porquê da sua revolta e, achando injusto ter sido expulso do céu, resolver empreender todo um comportamento e práticas que vão em sentido contrário às prática de Deus, no entanto é ele próprio que nos vais colocando questões morais que põem, propositadamente, essa bondade de Deus em causa. É um livro que tem um início verdadeiramente empolgante mas que, com o desenrolar da história, vai perdendo interesse, pois torna-se repetitivo, os diálogos e monólogos não nos levam a lado nenhum e no meio de isto tudo existe algo que me decepcionou, imaginem, o comportamento de Lúcifer é terrivelmente pacífico, nada condizente com a sua fama (chega até a levar uma carga de porrada). E eu a pensar que o livro estaria povoado por acontecimentos sangrentos e macabros, transbordando de orgias, deparo-me com um livro sonsinho que faria corar qualquer ser angélico da hoste de Deus. Amém!
No entanto existe um grande contra-senso, é que o livro está recheado de palavrões, a maior parte deles colocados forçosamente e sem qualquer tipo de lógica, no entanto eles estão lá, parecendo que o escritor não teve coragem de evocar acontecimentos mais fortes, mais chocantes, encontrando nos palavrões a única coisa que poderia chocar... pois, ai que inocente o menino é.
Claro que a história acaba por se ler, nem que seja para seguir o comportamento do senhor das trevas enquanto simples mortal, no entanto e embora a crítica britânica tenha feito excelentes críticas sobre este livro e sobre este autor, a mim, não me convenceu e até digo mais, pareceu-me que ele quis imitar o estilo de Ervine Welsh, brilhante escritor escocês autor de livros como "Trainspotting", "Ectasy", "Lixo" ou "Porno", no entanto, fica muito, mas mesmo muito aquém do talento de Welsh.

2 comentários:

Rosa Oliveira disse...

Eu gostei da leitura e comigo aconteceu precisamente o contrário :) Começou por ler uma leitura por insistência e depois completamente voraz. Ri muito, reflecti ainda mais... Não será concerteza um livro para todos os estômagos nem para qualquer momento. Muito menos será um livro para quem tenha uma visão fechada e intocável sobre religião. Será uma visão um quanto exacerbada do outro lado do que habitualmente se ouve contar... ;)

Ary Nobrega disse...

Bom dia!
Eu tenho o livro em ingles, que estou lendo no momento. Quero uma versão em português. Onde acho pra comprar no Brasil?